sábado, 18 de abril de 2009

A importância dos vínculos no ambiente educacional

A importância dos vínculos no ambiente educacional
Publicado em 20-05-2006 em
Ana Paula C. Pereira

A preocupação com as relações interpessoais onde há educação intencional são tão importantes quanto a preocupação em formular um projeto pedagógico, escolher o material didático, professores, orientadores, educadores ou facilitadores e todas as outras preocupações inerentes ao processo educacional em toda instituição voltada para a educação, seja ela formal ou não-formal.
O fato é que sendo a educação uma atividade humana, ela se faz em torno das relações entre os sujeitos de forma recíproca ( inter-relação) e também do sujeito com ele próprio (intra-relação), seu processo de construção do conhecimento, a metacognição, suas emoções, sua auto-percepção, sua auto-estima etc. A essa inter-relação que é dinâmica e “[...] engloba tanto o sujeito quanto objeto, tendo esta estrutura características normais e alterações interpretadas como patológicas”, Pichon-Rivière (2000, p.XI), dá o nome de vínculo, neste sentido, objeto é o que/quem estabelece algum tipo de relação com o sujeito, como por exemplo, o outro e o saber.
Segundo o Professor Vandeílson Barbosa em seu artigo PROFESSOR/ALUNO: RELAÇÃO PLURIDIMENSIONAL DA EDUCAÇÃO,

O ato de aprender é um fato atrelado à relação que se estabelece entre professores e alunos, o que significa dizer que despertar a curiosidade, aguçar o desejo de aprender está basicamente preso ao comportamento do professor e num sentido mais amplo o aprender está relacionado com o brincar e com o reencontrar a criança que existe em cada um de nós [...].

Quando tratamos da educação de crianças, deve haver um cuidado especial com a relação/vínculo, uma vez que é natural da criança buscar um modelo no adulto, como nos fala Celso Antunes, que “Crescendo entre adultos, a criança forma, ao lado da imagem do eu, também a imagem do eu ideal simbolizado pelo que desejaria ser.” (2003, p.21)
Ás vezes a criança/jovem faz uma transferência para o educador (a) da relação que tem ou gostaria de ter em casa com o pai ou com a mãe devido ao vínculo formado com o professor/ educador. Nesse momento, ou mesmo antes que esta relação/vínculo se estabeleça, o adulto deve fazer com que a relação com o jovem retome o rumo adequado ao processo educacional (o professor/educador como mediador e o educando como construtor do seu aprendizado) sob pena de que uma relação inadequada jogue por terra qualquer esforço pedagógico devido a desgastes emocionais.. É necessário que o educador tenha pleno conhecimento desse processo em benefício seu e do jovem.
Sob esse aspecto temos a seguinte indicação de Barbosa em seu artigo citado anteriormente:
È necessário que o campo de transferência da relação vá sendo progressivamente superado por novas bases de sustentação. Pois o professor trabalhará para que o aluno cresça intelectualmente e não para que se transforme em um filho ideal; o aluno trabalhará para aprender e não para conquistar o amor ou hostilidade do professor.

O fato de ter cuidado com a relação que se desenvolverá com o jovem, não quer dizer que o educador tenha que manter uma postura indiferente ou totalmente afastada do jovem, mas antes, que ele deve usar o bom senso. O educador habilidoso saberá usar da sua ternura assim como da sua autoridade nos momentos e na dose certa como sugere Celso Antunes (2002, p.30): “Muita firmeza e por que não também igual doçura.”
Está implícito no ofício do professor o “querer bem aos educandos” e sobre esta delicada ação humana, nos fala Freire (1996, p. 159):

Esta abertura de querer bem não significa, na verdade, que, porque professor, me obrigo a querer bem todos os alunos de maneira igual. Significa, de fato, que a afetividade não me assusta, que não tenho medo de expressá-la. Significa esta abertura ao querer bem a maneira que tenho de autenticamente selar o meu compromisso com os educandos, numa prática específica do ser humano.

Concordando com Paulo Freire, encontramos na teoria humanista de Carl Rogers o mesmo posicionamento quanto à relação do educador/aluno/educação que vimos até o momento. Rogers (1978, p. 111-112) diz que “ a facilitação da aprendizagem significativa baseia-se em certas qualidades de comportamento que ocorrem no relacionamento pessoal entre o facilitador e o aprendiz.”. A seguir, o autor sugere “ [...] que o professor pode ser uma pessoa real, nos contatos com seus alunos. Será entusiasta ou entediado, interessado nos alunos ou irritado, será receptivo e simpático. Se aceita tais sentimentos como seus, não precisa impô-los aos alunos.” E ainda Rogers (idem, p.116-117) diz “que o facilitador que cuida, que preza, que confia no aprendiz, cria um clima de aprendizagem tão diferente do que uma sala de aula usual, que qualquer semelhança é ‘mera coincidência’ “.
O que Rogers diz nessas duas frases é que o professor/educador tem que ter conhecimento de si mesmo, saber seus limites, virtudes e defeitos e também deve colocar-se diante de seus alunos como ser humano e não como uma “coisa” que não tem sentimentos bons ou ruins. Porém, isso não significa que o professor ou o aluno, tenham direito de desrespeitar o outro, de ignorá-lo ou que deva amá-lo. O que deve permear a relação na educação é a ética, o bom senso e a noção de que tanto aluno quanto professor são imperfeitos uma vez que são humanos, mas pode-se aliar a isso, a alegria e o apreço mútuo para melhor convivência na sala de aula e melhor rendimento no aprendizado.
Essa preocupação e foi explicitamente colocada por Baden-Powell quando orientou aos chefes escoteiros que fossem como um “irmão mais velho”. Ao colocar-se desta forma, como colaborador e não como superior, o chefe escoteiro, assim como qualquer educador compromissado com os objetivos finais em benefício dos jovens, terá mais facilidade de propor metas e de contar com a participação dos jovens.
Sabemos que o Método Escoteiro tem como um dos seus pressupostos orientar o jovem para sua auto-educação progressiva, ajudando-o a desenvolver suas capacidades, interesses e experiências, descobrir novas aptidões e a conhecer-se melhor entendendo cada estágio de sua caminhada, desenvolvendo a sua auto-confiança e tornando-se uma pessoa solidária, responsável e comprometida dentro de um grupo de jovens com interesses semelhantes.
Desta forma, o Escotismo está de acordo com o que é colocado na Teoria da Aprendizagem Social que “...reconhece a capacidade individual de direcionar o curso da ação, o sujeito passa a ser visto como principal agente de sua própria mudança.” Segundo Rappaport (1981), que ainda nos diz que “[...]a explicação do comportamento humano está centrada em uma interação contínua e recíproca entre fatores ambientais, comportamentais e cognitivos.”
È com base nesses conceitos que o chefe escoteiro deve nortear o seu trabalho. Sabendo que o seu papel é facilitar e orientar para que o jovem almeje o seu crescimento, não deve buscar no jovem o filho ideal nem deve deixar que o vejam como um super-herói, mas como um ser humano que se esforça em fazer o seu melhor possível, e essa postura, é possível para todos.
O chefe ou a chefe, pode e deve, mostrar-se como homem ou mulher com limites e defeitos, mas também como pessoa que continua buscando aprimorar-se, seja como ser humano, seja como profissional ou escotista. Também deve policiar-se uma vez que os jovens o/a tomarão como exemplo, procurarão seguir os seus passos e por isso, estando dentro de uma organização com objetivos educacionais claros, não pode cair em contradição e como bom “irmão mais velho” é preciso buscar cumprir com sua a palavra e a sua promessa. Afinal, o escoteiro tem uma só palavra, e o tempo todo o jovem, mesmo inconscientemente, vai analisar se isso é verdadeiro ou não.

Referência Bibliográfica:

ANTUNES, Celso. Relações interpessoais e auto-estima: sala de aula como espaço do crescimento integral, fascículo 16. São Paulo: Vozes, 2003.

BADEN – POWELL, of Gwilwell, Lord. Guia do chefe escoteiro = Aids to Scoutmastership. Tradução de Gen. Leo Borges Fortes. 5 ed. Porto Alegre: Ed.Escoteira, União dos Escoteiros do Brasil, 2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 22ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

ROGERS, Carl R. Liberdade para aprender: uma visão de como a educação deve vir a ser. 4 ed. Interlivros: Belo Horizonte, 1978.

MORIN, Edgar. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez, 2002.

PICHON-RIVIÈRE, Enrique. Teoria do Vínculo. Seleção e organização: Fernando Tragano; tradução: Eliane Toscano Zamikhouwsky. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

RAPPAPORT, Clara Regina; FIORI, Wagner da Rocha; DAVIS, Claudia. Psicologia do Desenvolvimento, volume 1, Teorias do desenvolvimento: Conceitos Fundamentais. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1981.

Página eletrônica:
BARBOSA, Vandeílson C. G. Professor/aluno: Relação Pluridimensional da Educação. Disponível em http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=813. Acesso em 5 abr. 2006.

Um comentário:

  1. Ana Paula,

    Parabéns por apresentar idéias tão pouco relacionadas entre Paulo Freire, Carl Rogers e Baden-Powell.

    Todo mundo precisa conhecer e interagir com essas idéias.

    Sou Escotista, cursando o Curso Avançado do Ramo Sênior, estudante de psicologia e grande apoiador da visão construtivista e educação libertadora.

    Mais uma vez, Parabéns!

    João Guilherme Dezotti
    Escotista do 241°/SP Grupo Escoteiro Quarupe
    São Paulo - Capital

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